"Escuridão, Luz, Aumentativos e Diminutivos, Deus, Lúcifer. As antagonias de Abracadabra"
É necessário deixar claro que esta não é uma crítica válida de um crítico profissional. Destino esta modesta análise aos que de alguma maneira se interessaram em ver ou discutir esta peça que por muitas maneiras proporciona espaço para discussões. Aproveito e deixo aqui um link de um outro texto crítico
Por tanto se você ainda não viu e pretende vivenciar este espetáculo, saiba que aqui neste texto você encontrará o “final” da peça. Após este aviso, livro-me de culpa.
Luis Päetow propõe nesta montagem algo que podemos considerar inovador, pois o monólogo que interpreta conta apenas com a iluminação proveniente de inúmeras lanternas, de variadas intensidades, distribuídas aos espectadores no momento da entrada. Com isto deduzimos que o público será responsável pela realização do espetáculo interferindo significativamente no andamento da peça.
A partir de agora deixarei algumas impressões recebidas na apresentação do dia 22 de agosto.
Logo de início, é possível perceber que não se trata de algo comum, em meio às cadeiras o ator jazia oculto, até que sua voz altiva e poderosa o revela. Em meio a escuridão, que por ele foi exigida, se dirige ao palco, onde desenvolve um fortíssimo texto com muito apelo poético e filosófico. Foi sem dúvida a ocasião em que vi o maior número de frases de impacto e trocadilhos bem-sacados disparados por minuto, a ponto de fazer “Anitellis e Pensadores da vida” morrer de inveja. Bem, cada um no seu quadrado.
A expressão corporal é bem trabalhada durante o monólogo, mais pelo fato da falta do que pelo excesso. Cada um dos poucos movimentos que o ator faz na peça é feito com a meticulosidade de um computador, e é isto que temos a impressão de estarmos vendo durante boa parte da peça, melhor ainda, um robô.
Enquanto o texto extremamente complexo se desenvolve ora em velocidade lenta e pausada, ora em velocidade vertiginosa, as lanternas fazem bem seu papel, tentando focar e “descobrir” detalhes em outras áreas do teatro. Detalhes estes que não existiam.
Bem, na verdade, outros “detalhes” merecem espaço para comentários. A trilha sonora que poderia ser a harmoniosa e hipnótica queda de gotas d’água do encanamento do teatro foi infelizmente, substituída pela algazarra de grande parte do público, pois como se não bastassem os cochichos, risadas infundadas, e até mesmo celulares (!), as pessoas pareciam que estavam com formigas na bunda. Foi impressionante como o ranger de cadeiras e do assoalho acabou sendo um personagem indesejado nesta apresentação.
Quanto a performance do ator, foi o que poderíamos esperar de alguém que sabe exatamente o que fazer e onde quer chegar, e que surpreende a cada palavra desferida como um golpe direcionado exatamente às mentes daqueles que detêm a luz no espetáculo.
Ótimo, agora vamos entrar um pouco mais no universo do texto. Fica nítido no monólogo um alto teor crítico ao comportamento das pessoas no que tange política, religião, arte e cultura, além de propor uma reflexão, ou melhor um diálogo da arte com a vida. Em diversas vezes podemos ouvir palavras que não são bem digeridas pela sociedade, mas que como dito anteriormente, irrompem como golpes que se chocam com seu alvo. Esta foi a atmosfera por mim experimentada, o duelo do ator esteve presente até o fim da peça...
Ahhh, sim, para mim a peça teve fim. Há quem diga que a proposta da obra é suprimir o fim. Muitos expectadores se levantaram bem antes dos últimos deixarem a sala. Entretanto o conceito de fim é relativo. Vou destacar dois momentos que podem ser interpretados como indicativos do que poderíamos chamar de fim da peça. Em um momento logo após um grito temendo quebrar o silêncio presente na sala e, por conseguinte um grande susto assaltar a platéia, O ator inusitadamente corta um de seus pulsos ajoelhado enquanto menciona “Em um teatro a cortina vermelha encerra uma cena”, logo prossegue e diz A peça “Está começando agora.” Pra mim ficou claro que o texto da peça original se encerrava ali, contudo estava pra começar um outro tipo de peça dentro da peça, onde os protagonistas não se sabiam como tal. Aí estaria a magia proposta pelo nome da obra?
O desafio proposto pelo ator foi aceito por muitos. Qual é o limite da expressão de um artista?
Deixe-me explicar. Ao passo que o ator nitidamente improvisava palavras totalmente desconexas e sem sentido, muitas pessoas não conseguiam compreender onde aquilo ia parar. Perguntavam-se: Qual seria afinal o "fim" da peça?
Bem, pra mim a peça já havia acabado há um bom tempo. O que acontecia ali era puramente o experimentalismo, a vanguarda artística, o quebrar de regras e das tradições.
Tive um motivo muito forte pra permanecer ali, por muito tempo ainda. Queria ver como a platéia iria se comportar diante do novo.
E foi no mínimo peculiar pra não dizer outra palavra. Enquanto as lanternas afoitas tentavam descobrir em qual parte do palco estava o “botão de desligar”, Luis se transformou num boneco de cera inanimado, porém que encarava cada um de nós, com os olhos bem abertos e vibrantes, mas sem um som sequer.
O publico foi sendo vencido. Muitos foram embora e engoliram aquele inusitado fim. Outros resistiam, até que, a platéia tomou lugar do protagonista, e um grupo de pessoas, após terem apagado as lanternas começaram a bater palmas, sugerindo o fim do espetáculo. Eu ri, na verdade ri muito. Por sucessivas e insistentes vezes repetiram o feito, porém o ator não respondia de maneira alguma àquela manifestação. Até que, pasmem, começou-se uma discussão entre as pessoas, e uns começaram a provocar os outros, pediam para se retirar... O clímax veio quando um rapaz estava saindo e passando pelas fileiras empurrou um outro que estava sentado. O que estava sentado reagiu e levantou-se para ir de encontro ao seu provocador que saiu correndo. E assim, saíram um correndo atrás do outro, como duas crianças brincando de pega-pega...
Neste momento eu ri, eu ri muito.
Bom, por fim, o fim realmente veio. Enquanto no palco o ator representava bravamente seu papel, um dos organizadores nos convidou educadamente a se retirar, pois, o fim da peça, ou já tinha vindo, ou jamais viria, e que o homem empírico que estava no palco ainda precisava jantar. Entrou em cena então o bom senso, e as dez pessoas que ainda teimavam em esperar algo que não viria, levantaram-se e deixaram a sala de espetáculo.
Por fim deixo aqui minha opinião. Se a arte de vanguarda prega a quebra dos limites, se o desafio foi travado entre público e ator, neste caso o bom senso só atrapalhou. A verdadeira arte em suas máximas consequências NÃO admite bom senso.
Independentemente, Abracadabra se configura uma experiência única. Recomendadíssimo.
Damien Campos
ResponderExcluirolá
bom dia-bo a t-arde boa noite
muitíssimo obrigado pela excelente análise
suas artérias cênicas em lúcida presença
assim o estéril vira estéreo e todos conseguiremos desapare-ser na essência
agora quanto à sua observação ao final aproveito para esclarecer que esta solicitação por parte de um dos organizadores não era do meu conhecimento
de fato só fiquei sabendo disso graças ao seu relato pois quando me reuni com a equipe no teatro da UEM todos foram super receptivos com o conceito da peça -realmente- não ter fim
e me asseguraram que não haveria a necessidade de fechar o teatro dentro de um horário-limite
portanto só me resta imaginar que algo depois tenha ocorrido e forçado para que dessem esse aviso aos últimos espectadores
todos os que trabalharam na Mostra foram extraordinários e movidos pela paixão incendiária e anárquica que me permitiu levar o Abracadabra à sua cidade-canção
espero conseguir novas oportunidades para apresentação
um grande abraço
boAsoRTE
)*(