Espero até o
último instante que seja possível esperar para que de repente passe. Mas não
passa. Cá estou então. Escrevendo o que não saberia jamais explicar. Embriagado,
como sempre, de um sentimento de dor. E a vida já passou diante de meus olhos,
pela milésima vez. Olho para fora; alguém vivendo: uma família, uma carreira,
ou duas talvez, melhor várias, uma depois da outra... O império. A decadência. O fim chega para todos.
Os olhos
tentam encarar a realidade de uma vida sem Bardot, como eu posso?
Ela está
deitada ao meu lado. Sem poder imaginar, como eu a idolatro neste momento de
inconsciência momentânea. A beleza de suas pernas compridas e brancas chega a
doer. A respiração pesada exalando álcool é como música francesa ao meu olfato.
O sono entorpecido é tão pesado, os olhos dormentes estão tão fechados, que me
dão a impressão de que nunca mais se abrirão, e ahhh, como morro de inveja
deste momento. Tão alheia a tudo, tão intocável e impenetrável na escuridão dos
sonhos mais iluminados, e ainda assim tão imponente. Será que sonha comigo?
Meus instintos
pedem um assalto agora. Que lhe roube beijos, que lhe tire a lingerie que tanto
me irrita e faz para atiçar-me a
imaginação. Que a deixe sem nada! Abandonada na mais pura e libertadora
pobreza. Sem se quer um brinco. E que lhe roube tudo neste assalto e não exista
mais nada para ela, além de mim que lhe tirou tudo. E ela me olha no sonho, e
olha para os lados vazios. Eu serei a única coisa para ser olhada.
É branca a seda
que lhe adorna. Tão suave e macia quanto
a pele que reveste. E brilha com a luz fraca do abajur ao lado da cama. Embaixo
dele a garrafa da qual libertamos o gênio dos mil prazeres noturnos. Talvez uma
última gota de poesia...
Lençóis em
labirinto circulando ao redor dela. A única direção correta. E sigo então,
desabando sobre sua carne, e então o corpo inerte queima ao toque. Me afasto. Ela
se mexe indolente. Uma perna se despede da outra, como uma amante que soubesse
que a vida será melhor estando longe do amado. Eu, terceira pessoa, fiel
observador, pra não ser francês demais, aproveito a situação, consolando a
perna que ficou. Me aposso de todos os espaços deixados, e subo. Vertigem de
tão altos seios. Um terremoto em terras britânicas. E em seu rosto minha viagem
desbravadora encontra a mais surpreendente paisagem. Quando seus olhos abriram
e encontraram meus soluços me senti tragado para dentro de um abismo circundado
por um lago azul, e suas águas, e minhas águas, puderam pairar tranquilamente
sob o espírito de Deus.
De repente
tudo não passou de um sonho. Jane Birkin não dorme mais ao meu lado.