quarta-feira, 22 de agosto de 2012


Espero até o último instante que seja possível esperar para que de repente passe. Mas não passa. Cá estou então. Escrevendo o que não saberia jamais explicar. Embriagado, como sempre, de um sentimento de dor. E a vida já passou diante de meus olhos, pela milésima vez. Olho para fora; alguém vivendo: uma família, uma carreira, ou duas talvez, melhor várias, uma depois da outra... O império. A decadência. O fim chega para todos.
Os olhos tentam encarar a realidade de uma vida sem Bardot, como eu posso?



Ela está deitada ao meu lado. Sem poder imaginar, como eu a idolatro neste momento de inconsciência momentânea. A beleza de suas pernas compridas e brancas chega a doer. A respiração pesada exalando álcool é como música francesa ao meu olfato. O sono entorpecido é tão pesado, os olhos dormentes estão tão fechados, que me dão a impressão de que nunca mais se abrirão, e ahhh, como morro de inveja deste momento. Tão alheia a tudo, tão intocável e impenetrável na escuridão dos sonhos mais iluminados, e ainda assim tão imponente. Será que sonha comigo?
Meus instintos pedem um assalto agora. Que lhe roube beijos, que lhe tire a lingerie que tanto me  irrita e faz para atiçar-me a imaginação. Que a deixe sem nada! Abandonada na mais pura e libertadora pobreza. Sem se quer um brinco. E que lhe roube tudo neste assalto e não exista mais nada para ela, além de mim que lhe tirou tudo. E ela me olha no sonho, e olha para os lados vazios. Eu serei a única coisa para ser olhada.
É branca a seda que lhe adorna.  Tão suave e macia quanto a pele que reveste. E brilha com a luz fraca do abajur ao lado da cama. Embaixo dele a garrafa da qual libertamos o gênio dos mil prazeres noturnos. Talvez uma última gota de poesia...
Lençóis em labirinto circulando ao redor dela. A única direção correta. E sigo então, desabando sobre sua carne, e então o corpo inerte queima ao toque. Me afasto. Ela se mexe indolente. Uma perna se despede da outra, como uma amante que soubesse que a vida será melhor estando longe do amado. Eu, terceira pessoa, fiel observador, pra não ser francês demais, aproveito a situação, consolando a perna que ficou. Me aposso de todos os espaços deixados, e subo. Vertigem de tão altos seios. Um terremoto em terras britânicas. E em seu rosto minha viagem desbravadora encontra a mais surpreendente paisagem. Quando seus olhos abriram e encontraram meus soluços me senti tragado para dentro de um abismo circundado por um lago azul, e suas águas, e minhas águas, puderam pairar tranquilamente sob o espírito de Deus.
De repente tudo não passou de um sonho. Jane Birkin não dorme mais ao meu lado.

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